LADO B (01): Práticas cinematográficas e outros tópicos.
Súbita Entrevista: Guiwhi " nem só de verbas milionárias e glamour se faz a cinematografia de um país (...) Enquanto certos países fazem guerra, fazemos arte"
SÚBITA ENTREVISTA:
Marcio Weber, aqui dessa newsletter, O Súbito Lastro do Impulso, (caso não tenha ficado explícito, rs). Conversou com Guilherme Whitaker (Guiwhi), produtor cultural, cineasta e cineclubista.
Neste cenário de festivais, ele é um dos produtores por trás da Mostra do Filme Livre e da mostra Lumiar Audiovisual, além de diversos projetos na área do audiovisual como colaborador do Cineclube Lumiar e do site totalmente independente Curta o Curta.
Marcio Weber: Hoje qual é a principal atribuição de um festival de cinema para a formação de público, novos espectadores? A MFL (Mostra do Filme Livre( pôde perceber a formação de novos autores/espectadores nas ações promovidas pelo evento? Qual a sua avaliação da predisposição dos indivíduos brasileiros em prestigiar o cinema nacional e diferentes linguagens de cinema.
Guilherme Whitaker: Creio que a principal função de um festival segue sendo a de apresentar e refletir junto a seu público filmes que tenham a ver com a proposta do evento, que é bem variada. No Brasil hoje é possível que existam cerca de +250 festivais, no momento inclusive o Fórum dos Festivais esta realizando uma pesquisa para atualizar tais números, pois muitos eventos não sobreviveram aos últimos anos de desmonte cultural.
Existem eventos de todos os tipos, desde os maiores e mais ricos, que normalmente dão espaço a filmes da indústria e comercio audiovisual, normal, visto que é um setor que emprega milhões de pessoas e o Brasil produz excelentes filmes de mercado, é justo que tenham eventos focados nestes nichos.
Porém, nem só de verbas milionárias e glamour se faz a cinematografia de um país, até pelo contrário. Muito da graça e da força audiovisual está no que é feito por amor ao cinema, por livre expressão, por pessoas comuns que, hoje mais do que nunca, conseguem fazer seus filmes. Um país gigante como o nosso não sabe num tipo de cinema apenas, até porque o Brasil também é imensamente criativo, não só no audiovisual mas em todas as artes, o Brasil é um celeiro infindável de artistas e isso é maravilhoso. Enquanto certos países fazem guerras, nós fazemos arte.
Então chegamos num dilema ancestral e complexo: historicamente sempre se investiu muitas vezes mais na produção de conteúdos do que em sua difusão. Para a indústria, que detém os meios tanto de fazer quando do mostrar, é ótimo, pois segue dominando tudo e deixando cada vez menos espaço e voz a todos que não estão na mesma praia, a saber, justamente a produção e principalmente a difusão independentes, feitas mais por amor, sim, amor, à arte, do que para lucrar.
Por que? Porque arte em geral e cinema em particular não se resume ao que o "status quo" faz e difunde. Por isso somos resistência cultural, contra o que o mercado quer dizer que é o certo, o bom, o importante. Podem até ser, mas também, não apenas. Tudo isso se complica muito com a revolução digital, seja no fazer, seja no mostrar filmes. É tudo ótimo e terrível ao mesmo tempo. Hoje qualquer pessoa, de fato, se quiser, consegue se expressar por meio do audiovisual, sozinha e/ou com amigos, realizando obras por vezes muito mais interessantes e/ou relevantes do que outros produtos realizados com grandes verbas.
Porém tais conteúdos encontram dificuldades para serem vistos e daí, reconhecidos. Nosso papel é equilibrar um pouco estas questões, pois o cinema não é apenas entretenimento e investimentos que precisam lucrar, cinema é vida e, como tal, pode revirar o mundo e as mentes, essência da pulsão artística desde sempre.
Assim, filmes feitos sem verbas terão muito mais dificuldades para serem vistos do que os filmes caros e já feitos num esquema combinado de produção e difusão, seja ele presencial ou não. É assim no mundo todo e aqui mais ainda, pois poucos detém os meios de difusão de massa, praticamente o grupo Globo, seus afiliados e o resto. Aos filmes independentes restam os festivais e cineclubes, todos combalidos desde o golpe de 2016, quando o país acelerou sua ida ao caos, que hoje tentamos reverter.
A internet ajuda na difusão, claro, mas daí chegamos no excesso de conteúdo oferecido a cada dia, como diferenciar o seu conteúdo dos demais. Eventos presenciais servem, enfim e também, para destacar, dentre tantos filmes no cenário, os mais interessantes e/ou relevantes, aquele evento. E isso, com certezas, ajuda o filme e seus/as realizadores/as a se destacarem neste amplo cenário, ao ser selecionado, exibido , debatido e/ou premiado em algum evento, o filme e sua equipe incrementam seus currículos e portfólios, o que tende a ajudá-los em suas próximas realizações.
Uma tendência que temos notado, de forma geral, é que, tirando os eventos industriais (que a grande mídia promove), as mostras e festivais de cunho mais cultural do que comercial tem enfrentado dificuldades para levar um grande público às suas sessões. Este ano a MFL teve um público de 1070 pessoas em 10 dias, média inferior da pré-pandemia, quando tínhamos a média de 5.000 pessoas durante 30 dias de evento. Foi nosso primeiro evento presencial depois de quatro anos e cremos que tais números tendem a melhorar nos próximos anos.
Marcio Weber: A MFL (Mostra do Filme Livre) é um grande celeiro do cinema independente, dando espaço para diferentes realizadores, sensibilidades e realidades de trajetória. Em mais de vinte anos de histórias, muitos filmes passaram no festival. Em termos estéticos, temáticos e regionais, o que pôde se perceber ao longo dos anos no sentido de caminhos para o cinema brasileiro.
Guilherme Whitaker: A média de filmes que recebemos a cada ano é de mil títulos, de todo o Brasil, todos os gêneros, formatos, épocas e temas. Somos, aliás, o primeiro evento, desde 2002, a receber tamanha gama de filmes, sem restrições, ainda na época em que havia distinção entre cinema e vídeo, que ajudamos a enterrar por sinal, hoje é tudo audiovisual.
Algo que temos notado nos últimos anos, pré-pandemia e agora que voltamos, é a quantidade de filmes realizados de forma caseira, entre amigos e/ou familiares, esse sempre foi o foco da MFL e seguimos recebendo centenas de filmes com tais perfis. Também alguns temas tem sido recorrentes ano a ano, como filmes que tratam de questões de transição de gênero (sexual) , questões afrodiaspóricas, feministas, juventudes e de reforma agrária, não por acaso temas em grande debate no Brasil de hoje.
Marcio Weber: Existe uma tentativa simbólica da MFL na descentralização da cultural, promovendo edições em outras cidades, itinerâncias e a adesão ao ambiente online. Quais são as principais questões?
Guilherme Whitaker: Sim, tentativa houve e há, este ano. Buscamos parcerias com pessoas de outros estados para que usassem a LPG (Lei Paulo Gustavo) em parceria conosco a fim de levar parte da MFL para suas cidades. Recebemos 25 inscrições de todo o Brasil e até o momento conseguimos realizar algumas inscrições, que aguardam o resultado.
Porém muitos editais da LPG em pequenas e médias cidades não abriram editais para difusão, preferindo a produção (de expressões cinematográficas).
Durante a pandemia realizamos duas edições da MFL online. Este ano, após a mostra presencial no RJ, realizamos uma edição online também, com premiação em dinheiro, e tivemos um excelente resultado de + 7.000 visualizações, apenas nas páginas dos 33 curtas que estavam em competição.
Imagino que é importante realizar parte do evento de forma online para permitir que pessoas de todo o Brasil, e não apenas quem mora na cidade do RJ, possam ver ao menos alguns dos filmes do evento. Mas nada vai substituir uma exibição numa sala de cinema com tela grande e som bacana, quando a imersão na obra é total.
A ideia é , então buscar o equilíbrio entre ambas ações, presencial e online, sendo a primeira a principal e a secunda secundária, como um complemento. Assim, é possível incrementar o público do evento e permitir que ele e seus filmes cheguem a mais gente, o que sem dúvidas tem valor.
O resto da conversa pode ser lido aqui.
LISTA DA SEMANA: 5 OLHARES BRASILEIROS SOBRE A FAMÍLIA:
Com a recente estreia de Tia Virgínia chega aos cinemas brasileiros nesta quinta, ostentando boas recepções críticas e premiações, como no Festival de Gramado. Tive a oportunidade de assistir de antemão e me impressionou o olhar da obra de Fabio Meira sobre a família brasileira (Minha crítica pode ser lida aqui).
A lista de cinco filmes da semana será sobre alguns filmes que também trazem perspectivas, comentários e visões sobre conjunturas e complexidades nas diferentes configurações e relações familiares, seja na relação entre pais e filhos, irmãos, avós ou outros membros. Lembrando que ainda aqui não é ranquear ou a tentativa de colocar filmes em cânone. Mas sim destacar obras que podem propiciar descobertas/revisões.
TAMBÉM SOMOS IRMÃOS (1949, JOSÉ CARLOS BURLE)
Sinopse: Dois irmãos negros criados em uma casa – cujo patriarca Requião era branco e racista – escolhem duas trajetórias contrapostas. Enquanto Renato escolhe a carreira jurídica, Miro opta pela marginalidade como forma de contestação dos valores do ‘mundo dos brancos’.
Onde assistir:
EM FAMÍLIA (1971, PAULO PORTO)
Sinopse: Um casal de idosos, ameaçados de despejo, pede a ajuda de seus cinco filhos, Jorge, Corinha, Mariazinha, Neli e Roberto. Porém para eles só existe uma solução: separar o casal. Então o senhor Souza vai para a São Paulo com Corinha e Dona Lu vai para o Rio de Janeiro na casa de Jorge. Com o passar do tempo, o casal sofre com a separação.
Onde Assistir:
AS BELAS DA BILLINGS (1987, OZUALDO CANDEIAS)
Sinopse: A vida de profissionais marginalizados que perambulam pelas ruas de São Paulo. O personagem principal é um cantor de música sertaneja em início de carreira, que se envolve com um rapaz pretensamente intelectualizado, cuja família é extremamente problemática .
Onde Assistir:
HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM, QUAND LEMBRADAS (2011, JULIA MURAT)
SINOPSE: Jotuamba é uma cidade fictícia, ambientada no Vale do Paraíba, onde, nos anos 1930, grandes fazendas de café faliram, e cidades antes ricas se tornaram quase fantasmas. Lá vive Madalena, a velha padeira, presa à memória de seu marido morto e enterrado no único cemitério da cidade, hoje trancado. Rita, uma jovem fotógrafa, chega à procura de trens abandonados, e pouco a pouco, modifica o cotidiano de Madalena e da vila.
Onde Assistir:
AQUI.
Abissal (2016, ARTHUR LEITE)
Sinopse: Partindo do projeto de pesquisar a vida de um avô que nunca conheceu, o cineasta cearense Arthur Leite começa a investigar a história da própria família. Quanto mais mergulha nela, mais se afasta da ideia original e descobre uma nova protagonista
Onde Assistir: