Lado B: (13) - A verdade da biografia
Na edição de hoje, uma crítica do filme "Fernanda Young - Foge-me ao Controle", documentário de Susanna Lira que chega aos cinemas nesta quinta-feira (29/08).
Quando assistimos uma cinebiografia, de qualquer figura pública em geral, se espera uma convenção regrada e particular uma cartilha é seguida, nela a narrativa traça uma linha do tempo que geralmente concilia fragmentos de uma época com o respectivo interesse e particularidade daquela história. É muito comum que a forma de contar uma biografia siga a preocupação em contar uma trajetória linear, respeitando regras minuciosas e constantemente restritivas, — diga-se de passagem —
Essas restrições aproximam a narrativa mais perto de uma colcha de retalhos de eventos e declarações, em que se preocupa em extrair mais informações do que um olhar interpretativo capaz de tecer leituras e modos de enxergar aquele período utilizando as possibilidades que a riqueza de elementos que a linguagem cinematográfica pode proporcionar. Existe um “quê” limitante entre essas relações, uma vez que é muito recorrente lidar com fórmulas que recorrentemente incorrem efeitos burocráticos como se fossem páginas de enciclopédias que pouco mergulham em visões mais aprofundadas e sofisticadas da pessoa ou instituição a ser destrinchada
Contudo, os apreciadores de Fernanda Young podem receber uma espécie de alento no documentário “Fernanda Young - Foge-me o Controle” de Susanna Lira que apresenta um outro olhar entre uma conexão de origem mais subjetiva e intimista da realidade biografada que transita entre a relação do cinema e televisão, da literatura e a poesia com as emoções. O modelo de produção se distancia de amarras mais tradicionais como o modelo de talking heads, apesar de recorrer a característica narração, incumbida por Maria Ribeiro, que surge como fio condutor.
A justaposição entre diferentes fases, tipos de materiais e da natureza de declarações reveladoras, sinceras e poéticas permite penetrar por um olhar inquieto, com contrastes, posicionamentos contundentes e nuances particulares de uma vida complexa e necessariamente imperfeita, — como qualquer outra vida, afinal. Nela sensação de pertencimento e cumplicidade trazem uma singularidade que abarca um grande hemisfério de constelações emocionais que vão desde um comentário sobre uma formação tardia no colégio, ou a presciência que Young se enxergava como escritora.
As declarações são atravessadas com passagens declamadas por livros que são ilustradas por trechos de filmes vanguardistas entre as décadas dos anos 20 e 40. São diferentes estilos que caminham pelo expressionismo alemão de Metropolis de Fritz Lang, do impressionismo francês de Dimitri Kirsanoff, do surrealismo com Germaine Dulac, cinema hollywoodiano clássico, ao cinema olho do cineasta soviético Dziga Vertov e até mesmo do cinema brasileiro da épocaque vão e vem numa anacrônica, mas de fácil assimilação com acervos televisivos de programas de emissoras como TV Cultura, GNT, MTV e produções da escritora como “Os Normais”, “Shippados”.
Os signos descritos se complementam com a cadência que as palavras encontram as imagens e a emoção transborda em tela, permitindo não apenas conhecer faces incomuns e pouco divulgadas dela, e sim, encontrando na força dessa heterogeneidade e vitalidade transmitida por Young nesse mosaico potente arquitetado por Susanna Lira que não busca apenas citar e reproduzir, por mais que haja uma preocupação em trazer depoimentos e legitimidade documental como a breve participação de Estella May, filha de Fernanda Young.
Então é nessa mistura de convenções, estilos, desenhos e videografismos que vão escapar de um pragmatismo protocolar de se limitar a uma cronologia na maneira de contar essa história.
Para isso funcionar, o casamento entre o modo como o roteiro assinado à quatro mãos, assinado por Beto Passeri, Bruno Passeri, Clara Ayer e Ítalo Rocha é amarrado a fim de ressaltar as emoções, reflexões e o trabalho de Young para além do senso comum e como montagem também de Rocha cria um organismo vivo dinâmico entre momentos, realidades tão distintas mas que se aproximam com naturalidade e a narração de Maria Ribeiro que projeta um tom enternecedor que não apenas tem a função de comover, mas transmite um senso de veracidade tal qual o filme fosse narrado em primeira pessoa.
Não tão somente uma autora e apresentadora de sucesso, mas também uma escritora de ofício, alguém com objetivos, preocupações, fraquezas, metas como qualquer outra pessoa que se destacou por acreditar fielmente na própria sensibilidade. É dentro desse recorte, que não tem como ambição apresentar Fernanda Maria Young de Carvalho Machado, e sim, um recorte preciso que cativa, instiga, provoca, emociona como uma boa obra de arte.
Segue abaixo as salas de exibição do filme na estreia nesta quinta 29/08:
SaladeArte MAM - Salvador BA
Cine Glauber Rocha - Salvador BA
Cinema do Dragão - Fortaleza CE
CineSystem Brasília - Brasília DF
Liberty Mall Brasília - DF
Cinema da Fundação - PE
Cine Passeio Curitiba - PR
CineSystem Botafogo - RJ
Estação NET Gávea - RJ
Estação NET Rio - RJ
Cine Arte UFF Niterói - RJ
Reserva Cultural Niterói - RJ
Espaço Bourbon Country - Porto Alegre RS
CineSystem Frei Caneca - São Paulo SP
Espaço Augusta - São Paulo SP
Reserva Cultural - São Paulo SP
LISTA DA SEMANA:
5 filmes sobre cinebiografias documentais.
Selecionamos uma lista de cinco documentários de cinebiografias documentais. Entre estilos tradicionais, inventivos e as possibilidades que o olhar inquieto de cineastas sobre variadas personalidades.
Getúlio Vargas (1978, Ana Carolina) - Onde Assistir: Youtube
A Luz do Tom (2013, Nelson Pereira dos Santos, Dora Jobim) - Onde Assistir: Netflix
A Paixão de JL (2015, Carlos Nader) - Onde Assistir: Itaú Cultural Play
Eu Sou o Rio (2017, Gabraz Sanna, Anne Santos) - Onde Assistir: Embaúba Play (Aluguel)
Garoto - Vivo Sonhando (2020, Rafael Veríssimo) - Onde Assistir: Curta On
PÍLULAS CULTURAIS: +LINKS
Na nossa editoria reservada a recomendações de eventos culturais no Rio de Janeiro ou recomendar com links de interesse sobre questões culturais ou de interesse público. Destacamos a possibilidade de assistir no conforto de casa curtas do 35 Kino Forum.
🎥 - Between the temples é o mais novo filme de Nathan Silver (Thirst Street), o longa têm chamado atenção da crítica estadunidense, para o The Film Stage, o cineasta cedeu uma entrevista sobre processos criativos, rodar em película e o estado da indústria. (The Film Stage)
🎥 - Começou hoje (28/08), a mostra “Bernardet e o cinema” retrospectiva que reúne filmes que tiveram influência criativa do escritor, ator e cineasta belga Jean Claude Bernardet, que possui uma vasta contribuição para o cinema brasileiro como teórico e artista. A mostra vai até o dia 22/09. (CCBB)
🎭 - O ator cearense Ari Areia apresenta o monólogo “Expurgo” para terras cariocas, o espetáculo promete um diálogo intimista com confissões, reflexões e autoconhecimento, começa no dia 07/09. (Sympla)
📰 - Em menos de três dias São Paulo atingiu recordes devastadores e preocupantes para a sociedade: queimadas súbitas acirram cada vez mais a inquietação em saber qual será o destino da humanidade com prejuízos irreparáveis aos biomas brasileiros e a sociedade civil. Sabia mais na reportagem de Bruno Fonseca e Giovana Girardi pela (Agência Pública)
Por hoje é só, obrigado pela leitura!