LADO A (05): O simples e o complexo.
A coluna musical de Gabriel Ferreira continua a passear pela história do jazz, desta vez visitando um álbum seminal do hard bop.
#6 Saxophone Colossus - Sonny Rollins: Ouça
Poucos músicos podem se vangloriar de lançar um álbum chamado Saxophone Colossus, aos 26 anos, e entregar nada menos - senão muito mais - do que o prometido. Este álbum foi o divisor de águas na extensa e prolífica carreira de Sonny Rollins, um proeminente nome do hard bop, estilo pelo qual se aventurou durante boa parte da década de 1950.
Com Saxofone Colossus abrimos nossa seção sobre hard bop. No futuro próximo, planejo passear pelos estilos e gêneros de jazz por um trajeto específico, mas não posso descartar umas fugidinhas para falarmos de álbuns queridos que nem sempre se enquadram num só formato conhecido.
Rollins foi introduzido bem cedo ao jazz, tendo recebido seu primeiro instrumento - um saxofone alto - aos 7 anos. Até seus anos de ensino médio, teria aprendido a tocar piano e posteriormente mergulhado no saxofone tenor, ao qual se agarrou por quase toda sua carreira. Nos anos finais da sua época na escola, chegou a tocar com Jackie McLean e Art Taylor.
O tenor nova-iorquino começou a performar profissionalmente assim que terminou o ensino médio, e, na sua busca pela revelação, acabou encontrado por Bud Powell, que o colocou para tocar em seções semanais de hard bop ao lado do famoso bateirista Roy Haynes. Rollins cresceu em vizinhanças recheadas de músicos que na época eram nomes gigantes da comunidade negra em Nova York.
Ainda jovem, começou a passar maquiagem nos lábios para dar a impressão de já ter bigode, e assim, frequentar clubes onde encontraria pessoalmente Coleman Hawkins, Charlie Parker, Billy Holiday, Art Tatum, Erroll Garner, Count Basie, entre outros.
Tenhamos em mente, porém, que em meados dos anos 50 a heroína varreu as comunidades negras das grandes cidades, o que abrangeu meios artísticos e musicais típicos dessas comunidades. Logo, figuras lendárias como Charlie Parker, ficaram também viciadas em heroína. E o efeito disso foi que músicos da geração de Rollins, que em muito se inspiraram nos precursores do bebop - principalmente Parker - começaram a usar heroína na esperança de tocar como seus ídolos viciados.
Daí que Rollins também partiu para a heroína, decaiu num período conturbado de sua vida, e chegou a bolar um plano de assalto à mão armada, em que foi pego pela polícia portando uma arma e acabou condenado a 10 meses na maior penitenciária de Nova York. Por seu fundo musical, conseguiu evitar a brutalidade da prisão, e uma vez em liberdade condicional, começou a tocar com grandes músicos como Miles Davis, Thelonious Monk, o pessoal do Modern Jazz Quartet, e o próprio Charlie Parker. Mas ainda seria preso novamente, por voltar a usar heroína, violando os termos da sua condicional.
Em 1954, Sonny Rollins participaria em sua primeira gravação de sucesso, num quinteto de Miles Davis, ao lado do pianista Horace Silver, no álbum Bag’s Groove, do qual três faixas são composições suas. Saltou do quinteto de Davis para o de Clifford Brown e Max Roach. Mas, infelizmente, em 1956, Brown e o pianista da banda, Richie Powell, morreram num acidente de carro, deixando Roach desolado. Brown e Roach foram grandes colaboradores, e sua reunião trouxe sucessos inigualáveis para o cenário jazzístico daquela década.
Logo depois, no mesmo ano, Rollins assinaria com a Prestige, chamaria Roach para tocar e, juntando o contrabaixista ex-membro do Jazz Messengers Doug Watkins e o conhecido, mas até então, não famoso, Tommy Flanagan no piano, gravaria seu sexto álbum de estúdio, Saxophone Colossus, três meses depois de sua última seção com o quinteto de Davis.
O álbum foi um estouro. Flanagan, que se tornaria grande colaborador de Coltrane, era um músico ainda jovem, mas se provou à altura do desafio. Watkins tinha grande experiência com hard bop por sua passagem pelo Jazz Messengers e a tutela de Art Blakey, e Roach literalmente participou da revolução do bebop ao lado de Parker, Bud Powell e Dizzy Gillespie na década anterior.
Saxophone Colossus é um álbum rápido até quando devagar. Ele abre com a faixa St Thomas, baseada numa canção popular caribenha que carrega o nome de uma das ilhas do arquipélago das Ilhas Virgens, e que se tornaria uma espécie de assinatura pessoal de Rollins. A música já havia sido regravada por outros músicos naquela mesma década, mas a Prestige insistiu em creditar a faixa à Rollins. A música é marcada pelo uso do staccato, em que se tocam notas curtas separadas por breves intervalos de silêncio, e que depois são sobrepostas por uma melodia de alcance maior com variações do ritmo temático. Neste formato, o tenor iria se mostrar um grande improvisador com foco maior em mudanças rítmicas do que melódicas, e faria de St. Thomas um dos mais famosos e reconhecíveis standards do Jazz.
You Don’t Know What Love Is é uma balada original de Don Raye e Gene DePaul, que também se tornou um famoso standard regravado por músicos de todos os tipos. Rollins, particularmente, deu um ar mais melancólico à música, muito bem encaixado com a alternância de humores que transcorre por Saxophone Colossus. Depois, segue-se o hit de bebop Strode Rode, em forte contraste com a melancolia azulada da faixa anterior.
Rápida, intensa, rítmica e preenchida de solos brilhantes, em que os quatro músicos se alternam em momentos precisos para correrem em disparado num círculo rítmico extraordinariamente amarrado pela mais impecável improvisação. Roach, Flanagan, Watkins, todos têm seu momento de mostrar do que são capazes, não ficando atrás do jovem colosso ao saxofone. Strode Rode foi composta em homenagem ao trompetista Freddie Webster, que morreu no Strode Hotel em Chicago. Webster era uma grande inspiração de Miles Davis, já Dizzy Gillespie o considerava o maior trompetista de todos os tempos.
Já no lado B do disco, Moritat aparece como uma versão imediatamente transformada em standard por Rollins. Essa música originalmente é parte de uma peça de Bertolt Brecht, o famoso dramaturgo alemão, pró-URSS na época da Alemanha dividida. Em inglês, o título é mais conhecido como “Mack the Knife”, e recebeu esse nome ao ser regravada por outros músicos de jazz (afinal, standards são assim considerados por suas regravações).
Por fim, o álbum encerra com a longa Blue 7, de 11 minutos, em que Rollins leva à última consequência a improvisação baseada na alternância rítmica. Compondo a faixa espontaneamente, acabou por dar-lhe uma forma ritmica tão complexa que foi tema de artigo de Gunther Schuller - aquele compositor estadunidense que escreveu o livro que influenciou Miles Davis na composição das faixas de Kind of Blue, trazendo para a materialidade musical da sua época as noções de música modal.
Blues 7 tem uma melodia aparentemente disjuntiva, mas que na verdade se conecta pelos solos de Rollins conforme avança pelas variações rítmicas em torno de uma temática elucidada logo nas primeiras notas.
Saxophone Colossus foi gravado em 1956 e lançado em 1957, nos anos em que o hard bop figurava como o pináculo da performance jazzística, mas que, uma vez carregado carregado pela terceira geração dos Jazz Messengers, agora como líderes de seus próprios grupos, alcançaria novos patamares na década de 1960 (especialmente com Freddie Hubbard, Lee Morgan e Hank Mobley, mas com muitos outros ao redor destes).
Com isto, o trabalho figura como um dos mais importantes álbuns deste gênero, e lançou Rollins para um estrelato cujo brilho, até quase os dias atuais, jamais atenuaria.
LISTA MUSICAL DA SEMANA - 5 ÁLBUNS MAIS OUVIDOS ATÉ AQUI
Já estamos na metade do mês de janeiro, muitas coisas já vão sendo desenhadas. Percebemos desde já, a formação de alguns de hábitos e tendências que vão sendo formados no nosso dia a dia, claro que a música não fica de fora. Eu (Marcio, só para deixar explicitado, rs ), decidi compartilhar hoje nas listas da semana, os álbuns mais ouvidos até aqui1, eventualmente postarei comparativos, cedo ou tarde, aguarde (rimas esdrúxulas, à parte). Vamos lá:
Don L - Caro Vapor/Vida e Veneno| 17 Faixas | Rap, R&B| Independente | 2013
Alvvays - Blue Rev |14 Faixas | Dream Pop, Shoegaze | Polyvinil| 2022
Kali Uchis - orquideas |14 faixas | Pop Latino, R&B| Geffen Records | 2024
Labbi Siffre - Crying, Laughing, Loving, Lying |12 faixas | Soul | Demon Music Group | 1972
Lupe de Lupe - Um Tijolo Com Seu Nome | 24 faixas| Shoegaze | Balaclava Records| 2023
Pílulas culturais - Recomendações com links:
🎥 - A mostra “Nordeste Fantástico” acontece gratuitamente na CAIXA CULTURAL RJ, com uma seleção variada de filmes de diferentes épocas, entre clássicos e contemporâneos. 🔗: (Kino Angular):
🎶 - Já no Teatro Laura Alvim , a pedida é música. Dentro da nova programação do Claro Verão Rio 2024, os shows acontecem de hoje (19/01 até 28/01, um domingo), com apresentações de Chico César, Céu, Zélia Duncam, Kiko Zambianchi, Raimundos e muito mais. 🔗: (Claro Verão Rio)
🎭 - A peça teatral “Só Vendo Como Dói Ser Mulher do Tolstói” retorna aos palcos nesta sexta, no Teatro Glauce Rocha. A atuação é de Rose Abdallah dramaturgia é de Ivan Jaf. Como pode se supor pelo o título, o espetáculo aborda as individualidades e percepções de uma mulher em um casamento abusivo, no caso de Sofia, então esposa do consagrado autor literário, Leon Tolstói. 🔗: (Sympla)
📺 - Fernanda Torres foi novamente convidada para o programa televisivo “Roda Viva” da TV Cultura, exibido originalmente no dia 08/01. A entrevista é um prato cheio para absorver mais das visões críticas, reflexivas, bem humoradas e reflexivas da atriz, roteirista e escritora. E mais do que um incentivo (como se precisasse) para assistir a minissérie “Fim”. 🔗: (Youtube - Roda Viva)
🖥️ - Os streamings, podem oferecer oportunidades bem preciosas para o espectador, com a comodidade de continuar em casa. No Itaú Cultural Play, gratuitamente, está homenageando os 20 anos de falecimento de Rogério Sganzerla, passando a versão restaurada do seminal: “O Bandido da Luz Vermelha”. O público infanto-juvenil não fica de fora e também recebe produções que saíram recentemente das salas de cinema como as animações “A Ilha dos Ilus” e “Além da Lenda” e para os fãs de curtas, também tem uma seleção recente de cinco filmes da 27ª Mostra Tiradentes (que começa hoje, 19/01), são eles: “Ramal”, “Até o último sopro”, “Jaci”, “La Loba”, “Rei da ciranda pesada”, “Kila & Mauna”. 🔗: (ABC do ABC)
🍿 - Nos cinemas, muitos filmes estão em cartaz: Selecionei quatro, dois deles foram avaliados por mim/ meu parceiro de veículo, Matheus Corrêa), ou apenas me interessam muito veículo, então mais um jabá): Sobreviventes - Depois do Terremoto, Os Rejeitados, e dos que verei: Meu Amigo Robô, O Natal de Bruno Aleixo. 🔗: (Ingresso.com, Kino Angular)
📧 - Nosso colaborador e autor do texto principal, Gabriel Ferreira, recém-inaugurou a newsletter “Como se queimar com elegância”, que traz um olhar sensível e particular para a plantação de pimentas.🔗: (Substack)
É isso, até semana que vem! Um ótimo final de semana.
Deixei o álbum, Lô Borges - Lô Borges, fora da lista pois sempre escuto esse disco anualmente desde de 2018.